quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Doce loucura

Telhado de Paris - Zélia Duncan


Ela queria colo. Não era explícita, mas os amigos mais próximos sabiam que quando ela ficava quieta pedia muito mais do que quando gritava. Queria chorar... tinha dificuldade em lidar com os ductos lacrimais orgulhosos. Não só os ductos. Menina orgulhosa da cabeça à ponta do pé. Decidiu calçar a sapatilha de ponta, que estava abandonada e de lado na gaveta há exatas duas semanas. Se maquiou assim como a alma pedia: muito lápis preto, rímel preto e batom nude. Deixou a fita da sapatilha aparecer, rebeldemente e pegou a meia mais velha e confortável. E dançou... pra esquecer, pra sentir dores em outros lugares, pra se lembrar que ainda podia se equilibrar fisicamente. Ao som de Bach, ela se deixou levar. Subiu o máximo que pode pra se mostrar que  por mais que a gente tente, nem sempre tudo está ao nosso alcance, e às vezes não basta subir no seu máximo, é preciso de alguém que te carregue mais longe. Fez doer tudo, pra desconcentrar a dor do coração. Recebeu uns 3 comentários de que emagreceu... dessas dietas não propositais e que a tristeza tem o prazer de te deixar pior, mesmo magra. Então levantou a perna o máximo que conseguia, descobrindo que a cabeça ainda era mais alta. Sempre. Saltou imaginado-se leve, e de fato foi. Com a mão atenciosa, esmalte "dengo" e o dedo indicador a frente, se tocava pra dizer que era responsável por si, por seus prazeres, seus limites, seu fôlego. E isso era independente. Tentou bater o recorde de ficar quase flutuando só com um pé, e conseguiu, lindamente, como somente toda tristeza e intensidade seriam capazes de produzir. Presente. Respiração ofegante, suor disfarçado. Memória lutando pelos passos prontos, alma escolhendo o que fazer. Era só uma questão de desviar a atenção de si mesma. Olhar fixo e perdido por uma boa causa. Deixou as costas nua, com todas suas marcas e manchas de uma semana terrível. Trabalhou a cabeça, em se manter fixa sempre. Objetivo. Foco. Postura. Responsabilidade. Fita azul, 7 grampos, redinha preta, organização e perfeccionismo. Era ali, exatamente ali, que mudar e ser o que precisava ser fazia sentido. Era na ponta do pé, que ela era alta, como sempre quis. Equilibrada, tranquila e leve. Tudo apertado pra se mostrar perfeita. Ali ela se invejava. Respeitava seus limites, e tentava ir além sempre. Rodopiou numa pirueta dupla, tentando a sorte e caiu. Piruetas era seu ponto franco, pra lembrá-la que sempre tem algo a ser melhorado, e é preciso levantar. Queixo alto. Se olhou de novo no espelho, analisando cada poro fora do lugar, a olheira acumulada, a pele mais pálida, se apoiou na barra e chorou na última nota de "Jesus alegria dos homens". Feito cisne negro... dura e cheia de si. Pensou no astronauta, que de vez em quando ela enxergava quando ficava na ponta dos pés, mas faltava muito pra alcançá-lo, talvez isso fosse fisicamente impossível... ou talvez o confundiu com um cometa. Acha que preferia um cometa, a menina. Com os dois pés no chão, voltou pra realidade... sentia sede. Sede não só de água. Faltava muita coisa ainda. Respirou fundo pra sentir os dedos dos pés se mexerem, mais uma vez. Ainda queria colo. Ou massagem, cafuné, tanto faz. Suspirou e dormiu no primeiro piscar de olhos, no colchonete rosa de alongamento, sozinha. Era atração e platéia. Quem sabe sonhando o show não fazia sentindo... 

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